Sobre sua morte, Nelly Martins, sua neta, escreveu:
Já um tanto surdo, com 77 anos, absorto no seu mundo interior, na manhã de dezenove de agosto de 1938, ele deixava sua casa e subia em direção à casa dos filhos. Na altura da rua 15 de Novembro, atravessava os trilhos da Noroeste, quando foi colhido pela locomotiva que seguia para São Paulo.
Depôs o maquinista que, vendo-o, procurou frear a máquina que apitava com insistência.
Ele na sua surdez, distração e insegurança, se chegou a ver e sentir o perigo que o ameaçava, não conseguiu mais sair dele. Foi colhido pelo trem e teve o crânio fraturado.
Permaneceu em coma umas trinta horas. Fiquei traumatizada com seu lastimável estado e temia vê-lo acordar e sentir toda a tragédia que vivia.
Contou-me minha avó, após a morte dele que, no hospital, ela ficou uns momentos a sós com ele, inconsciente. Falou-lhe ela sobre suas vidas, feitas de momentos alegres e difíceis, de renúncias e incompreensões e da vontade que alimentava de que pudessem continuar a viver a dois, sem dissabores, num querer bem recíproco. Quase como uma prece disse-lhe, ainda, que se alguma mágoa houvesse de sua parte que a perdoasse. Ela sentia por ele carinho e o desejo de que pudessem continuar juntos. Pareceu-lhe, disse-me então, que ele só aguardava essa conversa íntiima, amiga, de afeição, para deixar nosso mundo. Em seguida faleceu.
Estou segura de que assim foi. Ele tinha que partir, mas não sem ouvir sua companheira e sentir por ela aquele mesmo encanto do primeiro dia em que a viu.
Assim morreu meu avô, abatido pela Maria Fumaça, que tanto amei, em 20 de agosto de
FONTE: Nelly Martins, Duas Vidas, 2a. edição, Funcesp, Campo Grande, 2003, página 55. (foto: A Grande Avenida, de Paulo Coelho Machado)
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