Irrompe em Campo Grande em 3 de novembro de 1918, a gripe espanhola. Apesar de ser qualificada como "benigna", deixou um saldo de 36 mortos na cidade. Relatório do intendente geral do município Rosário Congro, dá detalhes da passagem da epidemia por Campo Grande:
“Depois de haver semeado o luto e a dor na bela capital da República, em São Paulo e inúmeras cidades do território nacional, o morbo atingiu também o nosso Estado, onde, felizmente, se manifestou em caráter benigno, apesar de seu extraordinário poder de expansão.
Não logrou esta cidade passar indene, e a 3 de novembro do ano findo irrompia o mal em Campo Grande alcançando, em poucos dias, proporções assustadoras.
A falta de todos os recursos profiláticos e de isolamento, além de outros, converteram a cidade num vasto hospital, sendo de uma louvável dedicação, digna de todos os encômios, o ilustrado corpo clínico, em sua árdua tarefa.
"Na impossibilidade de organizar um serviço de hospitalização, pela falta de um edifício que reunisse as condições exigidas de higiene e conforto, resolvi organizar um serviço ambulatório, deficientíssimo ainda assim, pela carência de pessoal, mesmo a soldo e mandei distribuir o seguinte boletim:
‘A pandemia reinante alastra-se por toda a cidade, menosprezando todos os recursos profiláticos, como se tem verificado no Rio, em São Paulo e nas grandes capitais européias, onde ainda perdura.
A moléstia tem-se manifestado, felizmente, benigna; a situação porém agrava-se por terem enfermado vários membros do nosso dedicado corpo clínico, sobrecarregando de atividades e trabalho os demais doutores, já exaustos por certo e igualmente ameaçados.
Uma farmácia fechou suas portas por ter caído todo o seu pessoal e começa a escassear, pela mesma causa, o fornecimento diário dos gêneros alimentícios indispensáveis aos doentes, como leite, galináceos e outros.
O intendente municipal no intuito de minorar a situação que se apresenta, pede a notificação de todos os casos em que se verifique a necessidade, não só de medicamentos como de outros recursos, inclusive de pessoal.
Cento e cinqüenta e seis receitas foram aviadas por conta da intendência e muitos remédios foram remetidos para a zona suburbana e rústica, onde era grande o número de enfermos e dos quais, diariamente afluíam os pedidos de socorros.
No edifício da escola municipal, tendo adquirido leitos e roupas, hospitalizei seis doentes que, com o dr. delegado de higiene, encontrara num casebre distante uma légua da cidade, sem recursos de qualquer espécie, tendo-se verificado ali, pela manhã desse dia, o falecimento de um outro morador, cujo enterramento providenciei.
Posteriormente, outros doentes receberam tratamento no mesmo edifício.
Imagino por este fato, quão elevado devia ter sido o número de enfermos entre os habitantes da campanha em toda a enorme extensão do município.
Sem a possibilidade de uma estatística, calculo entretanto em mais de dois mil os casos verificados nas distantes povoações de Entre Rios, Jaraguari, Rio Pardo e na cidade, sendo que somente nesta os notificados ultrapassaram de mil.
O número de óbitos na cidade foi apenas de trinta e seis, o que atesta a benignidade com que o mal nos visitou.
Devo registrar o gesto nobre e altruístico do sr. dr. Antonio Ferrari, enviando-me para socorro aos doentes pobres um quilo de quinino.
Esta preciosa dádiva chegou a meu poder quando a epidemia estava já em franco declínio, o que me permitiu dividi-la com o sr. dr. Nicolau Fragelli, intendente de Corumbá, a quem , espontaneamente fiz oferta telegráfica, ante a virulência com que grassava ali a terrível enfermidade.
Devo ainda por em destaque a atitude pronta, solícita e incansável do sr. dr. José Gentil da Silva, delegado de higiene, atendendo com presteza a todos os enfermos por mim indicados, colocando-os sob seu tratamento, e fazendo visitas domiciliares não só no perímetro urbano como nas zonas mais afastadas.
Os gastos totais feitos pela intendência, com os socorros por ela prestados, atingiram à soma de 4:658$300, conforme balancete discriminado de 30 de abril do corrente ano, publicado no Correio do Sul”.
FONTE: J. Barbosa Rodrigues, História de Campo Grande, edição do autor, Campo Grande, 1980, página 139.
FOTO: Campo Grande no ínicio da década de 20 do século passado.
FOTO: Campo Grande no ínicio da década de 20 do século passado.
Comentários
Postar um comentário