“De simples maquinista a milionário”, sob este título a revista Folha da Serra, de Campo Grande, em 1936, noticiava o resultado da loteria federal que sorteou o ferroviário Alfredo Silva, com o maior prêmio até então conseguido por um campo-grandense:
A sorte é varia e cega, não há que discutir. E para a alcançar nada melhor que a tentar. O ditado lá diz – quem não arrisca não petisca.
Foi assim pensando que o sr. Alfredo Silva, simples maquinista da Noroeste, aqui há muito residente, se resolveu a jogar na FEDERAL, na extração de 4 de julho último, dos 1000 contos de réis. Comprou um bilhete inteiro, o 13.744. Isto dois dias antes. A roda da fortuna favoreceu-o com a cornocópia de mil bilhetes de um conto cada, do Banco do Brasil – Hoje está milionário.
Tanto dinheiro não o pôs orgulhoso ou o desorientou. Continuou o mesmo homem, o mesmo maquinista.
Pedindo-lhe esta revista uma fotografia sua, fez questão cerrada de oferecer-nos uma pose com a indumentária de maquinista.
Querendo bem a Campo Grande, embora mineiro de nascimento, de Januária, pois aqui vive há muitos anos, resolveu empregar parte de sua elevada fortuna em prédios que adquiriu nesta cidade recentemente.
O sr. Alfredo Silva é solteiro e nasceu em 4 de maio de 1894. Tem uma irmã casada
A versão do historiador Paulo Coelho Machado é outra.
Sonhou com um cavalo na corrida. Procurou um bilhete com final 44 e na Preferida, nos fundos da Farmácia São José, encontrou o bilhete n0 13.744. Não gostou do 13 inicial, mas não havia outro. A extração era para dois dias após, 4 de junho de 1936. Seguiu nessa noite para Bauru e lá carregou no cavalo. Regressou a Campo Grande fazendo castelos, enquanto conduzia sua fogosa locomotiva. Não deu outra coisa, senão o número sonhado e o simpático ferroviário, com a maior emoção de sua vida, conferiu o bilhete: mil contos de réis na Loteria Federal. Fez os cálculos - mais dez contos no bicho, o que lhe valeu a alcunha de Mil e Dez.
É do mesmo cronista o desfecho desta história de sorte:
Fretou um vagão-cabine, bradando aos quatro ventos que daí por diante passaria a ser somente passageiro e exigente. Encheu o carro de mulheres recrutadas na famosa Rua 7 e lá se foi, ditoso e felizardo para Bauru e São Paulo receber os polpudos prêmios. Deu uma esticada até o Rio de Janeiro para visitar um primo ilustre, que antes não tivera coragem de procurar: Hermenegildo de Barros, jurista e ministro do Supremo Tribunal Federal.
Mulato escuro, magro, alto, com quarenta anos de idade, o Mil e Dez, de volta a Campo Grande, casou-se com uma jovem cabrocha bonitinha, de pele esticada, grenha curta, que lhe exigiu um dote em dinheiro, que avaramente guardou no cofre da casa, junto com as jóias ganhas durante os esponsais.
O casal passou a residir num sobradinho na Rua 14, ainda chamada João Pessoa nessa época, onde depois morou o advogado Carlos Hugueney Filho, junto da Padaria Espanhola, de Gabriel Cubel. O idílio foi efêmero. Contrataram advogados para o desquite amigável. Logo apareceram supostos filhos naturais, pedindo investigação de paternidade e pensão alimentícia.
Das lutas no pretório aprenderam, um tanto tarde, a velha lição da sabedoria popular, de que mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. Foi exatamente assim que o deslumbrado Mil e Dez acabou a vida como engraxate na Rua
FONTE: ¹ Revista Folha da Serra, edição de 26/08/ 1936. ² Paulo Coelho Machado, A rua principal, Tribunal de Justiça, Campo Grande, 1991. Página 52.
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